Num
mundo menos imperfeito, a educação teria, por
inerência, uma vertente virada para a
manutenção
da saúde dos indivíduos e para a
transmissão de
comportamentos de cidadania que contemplariam a saúde de
todos
nós. Nesse mundo, pais, mães, media,
cidadãos,
seriam capazes de transmitir ao nosso património mais
precioso, a próxima população activa,
conhecimentos capazes de fazer interiorizar atitudes de respeito pela
saúde de cada indivíduo e da comunidade. Nesse
mundo, a
escola, que só tem sentido na medida em que é um
factor
de melhoria da vida através de uma melhor
compreensão
do mundo, teria como função continuar esse
processo que
já se teria iniciado antes. Na verdade, para a maioria dos
alunos, a escola nem sequer representa uma partida do zero mas sim do
menos-qualquer-coisa, o ponto para o qual as primeiras sementes de
informação os arrastaram e de onde se sai para o
mundo
real que é uma coisa diferente.
Quem
ensina Biologia ou qualquer outra disciplina da área, sabe
que
se trata de uma guerra. Contra a televisão, que a par de
campanhas mais ou menos bem feitas vai passando reportagens em que o
rigor é menos importante que “apimentar”
o resultado ou
bombardeando cabeças de adolescentes com ideias de fama e
beleza que levam muitas raparigas a optar por dietas milagrosas, ou
mesmo passar fome, para obter rapidamente a silhueta que julgam lhes
abrirá as portas das revistas ou dos programas ditos de
“gente
bonita”. Contra a ideia de que os médicos
são todos
uns incompetentes (contabilizem-se as notícias sobre
situações
de negligência a que nunca são contrapostos os
inúmeráveis “finais
felizes”). Contra estereótipos
como “os produtos naturais só podem fazer
bem”, esquecendo
os anos de investigação e testes por
detrás “dos
químicos da farmácia” ou que estes se
limitaram a
normalizar aqueles. Ou mesmo contra certos livros sobre
saúde,
aos quais o simples facto de serem informação
impressa
parece conferir idoneidade e que, quais “catálogos
de
doenças”, permitem diagnosticar desde
constipações
a tumores, em 10 passos. Em suma contra aquilo a que, muito
eufemisticamente, se costuma chamar “conceitos
alternativos”.
Alterá-los, alterar os hábitos de uma
população,
requereria um levantamento prévio para poder depois dirigir
o
processo mais eficazmente. Como
todos os professores sabem, a pressão da abordagem dos
conteúdos faz-nos frequentemente perder de vista os
objectivos
e estes são, em última análise, mais e
melhor
cidadania, o que inclui, naturalmente, o tal respeito pela
saúde
de todos e de cada um. Na prática, limitamo-nos a transmitir
ideias como quem atira
setas de olhos fechados, sem fazer uma
pontaria específica e sem nos questionarmos quantas
ficarão
mesmo cravadas no alvo.

| Joana Revez |
|
Que
interessará que os alunos saibam
os nomes dos enzimas digestivos se não perceberam o que
acontece aos produtos da digestão nem como podem influenciar
todo o sistema?
quem atira setas de olhos fechados,
sem fazer uma
pontaria específica e sem nos questionarmos quantas
ficarão
mesmo cravadas no alvo. Que interessará que os alunos saibam
os nomes dos enzimas digestivos se não perceberam o que
acontece aos produtos da digestão nem como podem influenciar
todo o sistema?
Frases
como estas: -“SIDA? Eles depois internam-se e ficam
bons”,“tenho
andado com gripe mas o senhor da farmácia deu-me um
antibiótico e fiquei logo boa”- levaram-me a
aligeirar os
conteúdos da disciplina de Saúde e Socorrismo que
lecciono e a optar por deixar fluir a conversa e ir tentando
esclarecer as questões que se levantavam, incutindo-lhes a
ideia de que só uma elite chega ao 12º ano e que
as elites têm ainda menos direito
à ignorância (1).
Hoje
não sabem muito, mas, quando lhes perguntei o que tinham
aprendido ao longo deste tempo, responderam que percebiam agora
melhor como e o quê deveriam comer (“até
controlo a
comida da minha mãe que é
diabética”) os
problemas da hipertensão, as questões de higiene,
as
vantagens do exercício físico e mental,
porquê ir
ao médico... e, até, que sabem agora falar melhor.
Não
se trata de um caso de sucesso, mas tão só de um
caso
em que, creio, ocorreu alguma melhoria. Estão longe de ser
os
cidadãos informados que eu gostaria que fossem, mas talvez a
próxima geração esteja menos longe do
desejável
e o processo possa prosseguir.
Julgo
ter ganho uma pequena batalha, mas a guerra da
educação
para a saúde, como todas as outras guerras, é um
processo longo. 
Guadalupe
Jácome Professora do Ensino Secundário
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